O Jogador

"Tenho me esforçado incessantemente por não rir das ações humanas, por não deplorá-las nem odiá-las, mas por compreendê-las."
— Baruch Spinoza

Não há nada que o designer deva valorizar mais do que o jogador. A maioria dos designers veteranos de hoje cresceu jogando videogames. Eles tendem a vir de contextos similares, tendo aprimorado sua percepção e sensibilidade com jogos considerados hardcore. A paixão e a empolgação foram forjadas na experiência de criar as sensibilidades que os guiam no trabalho diário. Como grande parte da indústria ainda está a serviço do jogador "hardcore" e os designers entendem esse tipo de jogador, pois são seus pares, o julgamento pessoal e as preferências são excelentes guias quando se é o público.

Mas os tempos estão mudando, e o público está mudando com eles. A população de jogadores está crescendo e se tornando mais diversa. Nos Estados Unidos, 65% dos lares jogam videogames, e a idade média dos compradores mais frequentes é de 40 anos. Mais de um quarto dos adultos com mais de 50 anos jogam videogames, representando a área de crescimento mais significativa recentemente, de acordo com a Entertainment Software Association [ESA09]. Mas como os designers podem criar um jogo de sucesso para usuários potencialmente diferentes deles? A resposta é tornando-se profundamente interessados nas pessoas e na psicologia e, o mais importante: aprendendo a ouvir.
Emoções e Sentimentos


"Qualquer emoção, se sincera, é involuntária."
— Mark Twain

Coloque o livro sobre a mesa por um momento e feche as mãos em forma de punho. Agora, junte os pulsos, com as palmas viradas uma para a outra, se tocando. Este é um modelo grosseiro, em tamanho e forma, do cérebro humano. O que está dentro da sua cabeça contém aproximadamente centenas de bilhões de neurônios em vários estados de repouso e atividade enquanto você lê isso, pensa e sente.

Em 1884, o psicólogo William James lançou uma questão em um artigo: Por que fugimos de um urso? Talvez, ele sugeriu, ao vermos o urso, começamos a correr e ficamos com medo porque corremos. Bem, o que você diria disso? A maioria de seus colegas na época teria dito: "Bobagem!" O senso comum nos dissera tudo que precisávamos saber. Vemos o urso, sentimos medo e corremos porque ficamos amedrontados. (Não!) Bem, cerca de cem anos depois, as ideias de James-Lange ganhariam mais respeito, já que a tecnologia da neurociência avançou o suficiente para permitir que os cientistas observassem o cérebro trabalhando.

Embora a visão científica atual (Figura 2.1.7) seja mais sutil que a de James-Lange, ela ainda parece muito diferente do senso comum [Ledoux02, Pinel07]. Ver o urso produz emoções viscerais e reações corporais antes mesmo de termos consciência do que vimos. A razão comum para o sistema emocional ser tão rápido é a eficiência — é mais rápido reagir do que esperar a consciência tomar uma decisão.


O processo se parece um pouco com isto:

Algo que vale a pena sentir surge — presente ou relembrado.


Sinais correm entre os sistemas emocionais e os sistemas de consciência (córtex).
3a. O sistema emocional gera respostas.
3b. O córtex usa memórias explícitas para reconhecer e compreender.


O córtex usa informações de 3a e 3b para fazer escolhas.

Os sistemas emocionais são rápidos e geralmente precisos (o tema do livro Blink), mas o córtex não é um mero espectador. Podemos ir com o fluxo emocional, ou o córtex pode tentar controlar o resto do sistema. Por exemplo, quando reconhecemos que o urso é de pelúcia e tem uma etiqueta na parte de baixo. "Isso é um urso de pelúcia, bobo!"

As pessoas passam boa parte de suas vidas sem perceber as emoções que estão sentindo. E quando realmente sentem algo, tentam racionalizar, referindo-se ao contexto da situação que vivenciam. O que é realmente interessante é como podemos confundir essas coisas. Em experimentos, "fizeram" homens acharem mulheres mais atraentes do que outras ao aumentar artificialmente a percepção dos batimentos cardíacos. E todo mundo sabe (ou deveria saber) que um filme de terror é uma boa escolha para um primeiro encontro. O que talvez nem todos saibam é que isso funciona porque as sensações de medo e atração romântica são similares e fáceis de confundir.

Até mesmo essa visão apresentada aqui pode parecer ultrapassada com todo o progresso que a neurociência está fazendo. Mas designers de jogos não precisam ser cientistas — apenas precisamos de um modelo que faça sentido e tenha um bom poder de previsão, tal como a compreensão de que nossas mentes avaliam nossas emoções de forma diferente dependendo do contexto. Algumas pessoas gostam da urgência e tensão de sentir medo em Left 4 Dead. Outras acham essa sensação desagradável e, consequentemente, decidem que o jogo "não é para elas".

Os jogadores têm preferências: sentimentos de que gostam durante o entretenimento e sentimentos de que não gostam. Nem todos apreciam caçar e recolher recursos. Um designer precisa entender o público que utilizará o jogo. Emoções não são apenas para entretenimento. Emoções também abrangem nossos propósitos e tudo com o que nos importamos.
Pensar e Sentir


"Não esqueçamos que as pequenas emoções são os grandes capitães de nossas vidas e nós as obedecemos sem perceber."
— Vincent van Gogh

Desde a antiguidade, existe uma crença comum sobre nossas mentes: uma parte racional, moral e recentemente evoluída; e uma parte irracional, impulsiva e enraizada nas regiões primitivas do cérebro.

Mas um grande número de nossas decisões acontece de maneira muito mais "profunda" em nosso cérebro. Muitos de nossos pensamentos e cálculos, aqueles que a maioria das pessoas acredita compreender de forma cognitiva, surgem de sistemas emocionais que canalizam a resposta para nós antes mesmo de termos consciência da questão. E mesmo quando nosso córtex racional está funcionando plenamente, calculando e simbolizando, precisamos dos sistemas emocionais do cérebro para nos dizer quando a resposta "correta" foi alcançada. Sentimo-nos bem quando achamos que temos a resposta certa. Por que jogamos jogos, afinal? (Jogamos porque nos faz sentir bem!)
Memória Operacional

A memória operacional, ou memória de curto prazo, é um dos sistemas cognitivos mais importantes. Ela nos permite manter um número limitado de informações, aproximadamente 7 ± 2 itens por vez [Zimbardo92], por alguns segundos, enquanto outras partes do cérebro realizam cálculos. Quando uma nova tarefa é iniciada, as informações antigas são removidas para criar espaço [LeDoux02], e se não terminamos a primeira, paciência.

Você encontrará esse dígito, 7 ± 2, em várias áreas do design. Mantenha a demanda na extremidade mais baixa da retenção de memória do seu jogador se quiser que ele se lembre. Mais alta, se quiser que ele se esqueça.

Qualquer profissional que lida com as habilidades e capacidades de outros deve respeitar essas duas capacidades preciosas; não as desperdice ou abuse delas. Como designer, você deve equilibrar as decisões e escolhas que impõe aos seus jogadores a qualquer momento para não frustrá-los. Isso inclui sobrecarregá-los com informação ou exigir que sua atenção esteja dividida em muitas áreas ao mesmo tempo.
Atenção

Você está em um restaurante com amigos, esperando por uma mesa. Apesar do barulho e movimento das pessoas entrando e saindo, você ouve sua amiga enquanto ela conta sobre seu dia. O maître se apresenta e anuncia: "Há uma...". E antes que você perceba, tudo o que ouve é a voz dele, na expectativa de ser chamado. O som da voz da sua amiga se perde na multidão, e você se pergunta o que ela disse.

Isso é atenção seletiva, o processo de focar; escolhendo as coisas com as quais você se importa e excluindo as que não quer. Esse foco pode ser empregado por seus pensamentos (optando por ouvir sua amiga) ou por uma experiência externa (a voz do maître ocupando seus ouvidos) [Pinel07]. Seu cérebro, para utilizar esse ajuste, é capaz de amplificar e suprimir as representações mentais, dependendo se o fato é considerado relevante ou não. Em outras palavras, é assim que nos concentramos em coisas que parecem importar, permitindo-nos priorizar objetivos com eficácia.

Alguns dos estudos mais importantes sobre atenção foram conduzidos na década de 1950 e envolviam pessoas ouvindo duas mensagens simultaneamente. Esses estudos produziram diversas descobertas:

Capacidade limitada: Identificar as duas mensagens de uma vez é difícil.


Condições para atenção: Uma mensagem pode ser identificada e outra ignorada se elas tiverem propriedades diferentes (tom, localização, etc.).


Consequências da seleção: Ouvir uma mensagem enquanto ignora a outra resulta em apenas uma lembrança fraca da mensagem ignorada.

Exemplo: Conseguindo atenção em jogos de objetos escondidos

Nos mercados de videogames, o gênero hidden object é popular. Os jogadores procuram itens espalhados em cenários coloridos e detalhados, geralmente contra o tempo. Uma vez que o número mínimo de objetos é encontrado, os jogadores podem progredir; quando falham, geralmente repetem a fase. É comum que as pessoas fiquem travadas de vez em quando, usualmente por não terem certeza da aparência do item requisitado ("Que tipo de 'arco' querem? Arco e flecha? Arco de violino?") ou por acreditarem que já examinaram completamente uma área da cena e mentalmente a marcaram como concluída ("Eu sei que não está lá!").

Ajuda dar-lhes uma dica quando já faz um tempo desde que o último objeto foi encontrado: realizar um breve movimento, uma pulsação ou faíscas no item. Mantenha o efeito sutil, e ele apenas alertará a visão periférica e atrairá o olhar. Quando o encontrarem ("Lá está!"), terão uma sensação de conquista, e você sentirá a alegria de tornar algo divertido. No final, todos ganham. Na próxima vez que acontecer e eles notarem ("Aquilo brilha quando estou travado"), isso será adicionado ao seu conjunto de conhecimentos sobre as mecânicas do jogo.
Peculiaridades Psicológicas

Existe um número de pensamentos e sentimentos curiosos que influenciam a tomada de decisão e as avaliações emocionais. Às vezes, há circunstâncias específicas em jogo, mas outras tendências estão em pleno efeito independentemente da situação.

Desafios de Enquadramento (Framing)

Apresente um caminho, e um problema é fácil. Apresente outro, e nosso cérebro pode ter dificuldade em entender o contexto da questão, falhando em encontrar uma boa estratégia para raciocinar.

Considere o seguinte quebra-cabeça: Você recebe quatro cartas, como mostra a Figura 2.1.8. Cada carta tem uma letra de um lado e um número do outro. Por favor, escolha apenas as cartas que devem ser viradas para verificar a seguinte afirmação: "Uma carta com um D de um lado deve ter um 3 do outro".

Escreva rapidamente a sua resposta. Agora imagine que você esteja trabalhando em um bar e deve ter certeza de que ninguém menor de idade (18 anos) esteja bebendo álcool. Cada carta na Figura 2.1.9 representa um cliente. Um lado mostra a idade da pessoa, o outro, o que estão bebendo. Por favor, escolha apenas aquelas cartas que devem ser viradas para verificar se alguma dessas pessoas está violando a lei.

A resposta para a primeira questão é D e 7. A resposta para a segunda é Cerveja e 15.

Aproximadamente 25% das pessoas escolheram corretamente no primeiro caso e 65% no segundo, embora as duas tarefas sejam logicamente equivalentes [Pinker97]. (Na pesquisa em psicologia, esse experimento gerou muito debate!) Uma coisa é clara: o modo como um problema é apresentado importa!
Condicionamento

Condicionamento é um tipo de aprendizado que ocorre por meio de associação ou reforço. O mais conhecido é o condicionamento clássico. Nele, um estímulo que não elicia uma resposta específica naturalmente é emparelhado com outro até o sujeito aprender a responder a ambos da mesma maneira.

O exemplo clássico dos cães de Pavlov ilustra o conceito. Antes do condicionamento, um som ouvido pelo cachorro não produzia nenhuma resposta específica. Contudo, carne na boca do cachorro fazia o animal salivar; a carne é o estímulo incondicionado, e o salivar, a resposta incondicionada. Durante o condicionamento, um som era tocado enquanto a carne era colocada na boca do cachorro, causando o salivar.

Após isso ser repetido várias vezes, o cachorro estava "condicionado" e precisava apenas ouvir o som para começar a salivar (a resposta condicionada ou RC) [Zimbardo92].

O condicionamento operante descreve o aprendizado no qual um comportamento é encorajado ou desencorajado por suas consequências. O reforço positivo compensa um comportamento (o operante) com um resultado positivo, tornando-o mais provável. No reforço negativo, o comportamento é encorajado pela ameaça de um resultado negativo caso o sujeito não realize a ação. Observe que tanto o reforço positivo quanto o negativo encorajam um comportamento específico; um é bom ("pegue o biscoito!"), o outro... nem tanto ("faça isso ou...!").

A punição é o terceiro tipo de condicionamento operante. As punições reduzem a probabilidade de o indivíduo realizar o ato. Tenha muito cuidado ao pensar em usar punição em jogos, pois ela tende a não ser muito divertida. Tente reforçar comportamentos alternativos em vez de apenas punir aqueles que você quer desencorajar.
Visando Públicos


"Quanto mais alguém agrada a todos, menos agrada profundamente."
— Stendhal

Seu público é um conjunto de pessoas — de ninguém a todos — com interesse suficiente em seu jogo para dar-lhe atenção. Aumentar esse público é um problema complexo e incerto, mas há muitas coisas a serem feitas para melhorar suas chances. Por agora, temos de nos concentrar em uma: o público-alvo.

O fundamento dessa abordagem é simples: não tente agradar a todos. Não porque você tenha alguma boa razão para as pessoas não gostarem de seu jogo, mas porque é quase impossível que todos gostem. Tentando alcançar esse efeito, você apenas aumenta o risco de não agradar ninguém.

Identifique grupos para serem seus alvos — seus públicos-alvo.


Modele suas preferências.


Crie uma lista de objetivos estéticos informados pelo modelo.


Use o modelo como orientação no design.

Esse estilo de abordagem tem raízes nas práticas de marketing de segmentação [Russel02]. Nos anos 1980, os anunciantes começaram a se afastar das propagandas para o mercado em massa, nas quais os mercados eram representados de forma genérica. As pessoas passaram a ter uma proliferação de escolhas, e os anunciantes sentiram a necessidade de direcionar essas demandas novas e mais individuais. Para alcançá-las, mercados inteiros foram segmentados em grupos menores de pessoas com qualidades compartilhadas.

Embora os segmentos possam ser baseados em qualquer tipo de característica relevante, idade e gênero tornaram-se padrões. Segmentos de mercado ainda são generalizações, não indivíduos reais, mas um tipo de conceito mediano, o perfil demográfico.

Público-alvo é o segmento que você escolhe para direcionar seu jogo. No desenvolvimento profissional de jogos, é um pouco incomum o desenvolvedor ter liberdade completa nessa decisão. A maioria dos estúdios trabalha para ou como um cliente (publisher, investidor) que irá querer um segmento definido com um histórico de compra. Se, contudo, você é o mestre do seu destino, pode escolher o público-alvo que se encaixa nos seus objetivos.

Após (ou como exercício) escolher um público, organize-o em um modelo. A melhor maneira de fazer isso é criar personas, que são personagens fictícios representando seus alvos. As personas se tornaram uma ferramenta popular em muitos negócios centrados no consumidor, pois permitem direcionar personagens fictícios como se fossem pessoas de verdade. Uma persona é muito parecida com uma personagem de RPG (sem as rolagens de dados).

Resista ao impulso de criar personas elaboradas com listas exaustivas, históricos pessoais complexos e detalhes irrelevantes sobre traços e aptidões. Históricos curtos, simples e memoráveis, como o da Figura 2.1.10, são preferíveis aos complexos e confusos. Fatos como "Foi assustado por um tamanduá quando criança" não ajudarão a decidir se os jogadores gostariam de customizar suas peças de jogo. Por outro lado, você deve dedicar um tempo para se certificar de que as personas criadas representam o público que você está segmentando. Como? Falando com pessoas que se encaixam no perfil demográfico!


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